As mudanças e reformas estão na ordem do dia, no Brasil e no mundo.
Uma época de transformações velozes gera mudanças em quase todos os campos da atividade humana. A certeza de ontem se dissipa feito fumaça na impermanência do hoje. Nesse ambiente, mudanças e reformas são quase inevitáveis. Países questionam suas leis, sociedades questionam seus conceitos, pessoas questionam a própria vida. Como resolver a crise dos refugiados? Como regular as novas formas de trabalho que surgem com a internet? Como lidar com uma população cada vez mais idosa? Como combater o terrorismo? Como mudar o sistema político brasileiro? A lista não tem fim.
E no turbulento Brasil atual as reformas estão na pauta do dia: reforma política, penal, tributária, trabalhista e previdenciária, pra listar apenas algumas.
O DataFolha publicou recentemente uma pesquisa que mostra que 70% dos brasileiros são contra as reformas.

Não vou nem tenho como julgar o mérito das reformas, não é o objetivo deste artigo e tem gente mais abalizada que eu para julgar. Reformas normalmente resultam numa equação complexa, na qual raramente há apenas beneficiados ou prejudicados, e suas consequências podem se estender para o médio ou longo prazos.
Mas quero apenas ponderar sobre o porquê da impopularidade da maioria das reformas, seja no Brasil ou no mundo.

Em primeiro lugar, nós temos uma aversão inicial à mudança. Mudanças parecem rupturas, porque lidam com o desconhecido e nos tiram de uma zona conhecida, mesmo quando não é necessariamente uma zona de conforto. As vezes é apenas uma zona desconfortável, mas familiar.

Se você recebe um comunicado do seu chefe falando de uma reunião para comunicar mudanças na empresa, o que você pensa? Xiiii… Lá vem bomba!
Se recebe um e-mail da sua companhia aérea dizendo que o programa de milhagem vai passar por mudanças o que você pensa? Que vai ficar ainda mais difícil conseguir voar com milhas.
Se sua namorada manda uma mensagem dizendo que vocês precisam conversar sobre a relação e mudar algumas coisas, pior ainda…. Por descurtir a ralação de discutir a relação, você é capaz de comprar uma passagem só de ida pro Cazaquistão.

E você tem essa sensação de ameaça mesmo antes de saber o teor da mudanças na empresa, no plano de milhagem ou no relacionamento. Você tem quase certeza de que as coisas vão piorar. Talvez seja um viés cognitivo humano.

Então esse é um dos primeiros problemas, uma sensação de que essas mudanças serão para pior, mesmo antes de saber se de fato serão.
Mas isso também ocorre por uma percepção de unilateralidade, de que as mudanças foram propostas por apenas um dos lados, e que portanto essas mudanças devem beneficiar o lado que propôs, seja a companhia aérea, a sua empresa ou a sua namorada.

E disso nasce um dos maiores problemas na aceitação dessas reformas: a falta de debate para construção de um consenso social mínimo. Essas propostas raramente são discutidas suficientemente na sociedade e acabam soando como uma imposição, uma espécie de contrato por adesão que você não tem o direito de contestar. E como quase sempre o debate é muito raso e passional, de todos os lados, as pessoas afetadas por essas medidas acabam sem saber de verdade o impacto dessas mudanças, seus pontos positivos ou negativos. É uma guerra de versões e contra versões onde a principal vítima acaba sendo a verdade.

No caso do Brasil há um problema ainda mais sério, que é uma crise de representação, porque as pessoas não enxergam legitimidade em quem propõe as mudanças. Vejam que existe legitimidade do ponto de vista institucional, já que estamos numa democracia representativa, mas na prática a situação é diferente.

As pessoas pensam: esses políticos não cumprem os próprios deveres, gastam mais do que deveriam, estão envolvidos em problemas de todo tipo, e agora eu vou ter que pagar a conta?
Além disso, raramente eles são exemplo do que propõem. No caso da Previdência, por exemplo, vários deles se aposentaram prematuramente.

Pra piorar, muitas vezes falta universalidade nas reformas. As regras nem sempre valem pra todos do mesmo modo. E se em alguns casos exceções são uma forma de fazer justiça, na prática grupos de pressão vão exercendo sua força até o ponto da reforma virar uma colcha de retalhos em que as exceções parecem ser a regra.

Reformas nunca são fáceis porque mexem com o nosso medo ancestral do desconhecido e do risco de perdermos direitos, mas quando todos esses fatores se somam a tarefa se torna ainda mais complexa.

Mudanças muitas vezes são necessárias, mas além de fazer a coisa certa é preciso também fazer no tempo certo e do jeito certo.