Quando meu filho mais velho tinha uns quatro anos, comprei um DVD do Sítio do Pica pau amarelo, mas saudosista que sou, escolhi a versão original da série, filmada no final dos anos 70.

Convenci meu filho de que seria um grande acontecimento assistir à série que embalou a infância do pai, mas parece que o resultado não foi muito animador.

Eu logo percebi o porquê: tudo parecia lento, incrivelmente lento. A trama se desdobrava numa narrativa preguiçosa, como se o enredo titubeasse em acontecer.

O desalinhamento do timing escancarou o abismo dos tempos em que viveu a criança pai e o tempo em que vive a criança filho. Ninguém consegue mais ficar cinco minutos concentrado sem que alguma coisa muito impactante aconteça. É por isso que os filmes do Steven Spielberg costuma fazer sucesso: a cada cinco minutos o telespectador recebe uma descarga de adrenalina: suspense, medo, alegria, humor ou tristeza.

O voleibol foi um esporte que mudou suas regras para se adaptar à dinâmica da TV. Acabou com o sistema de “vantagem”, no qual o time só obtém um ponto se conquistar dois pontos em sequência, para dar ao jogo maior previsibilidade e agilidade no placar. Deve ser essa a razão pela qual o tênis até hoje quase não entra na TV aberta, mesmo possuindo entre suas estrelas aqueles que possivelmente são os maiores jogadores de todos os tempos ainda em atividade. Além dos jogadores terem direito a dois saques antes de cada ponto, costumam levar uma eternidade entre um saque e outro: bate a bolinha, coça a orelha, ajeita a franja, enxuga o suor do rosto e as câmeras lá filmando. Pra quem não é aficionado, pode ser de uma monotonia insuportável.

Foi por isso que fiquei tão surpreso com a matéria publicada num jornal gringo: “O xadrez conquista a Noruega”. A popularidade do xadrez da Noruega foi impulsionada pelo conterrâneo Magnus Carlsen, campeão mundial da categoria, que aos vinte e sete anos de idade conquistou o terceiro título mundial em sequência.

O xadrez virou uma mania nacional: os bares temáticos, nos quais as pessoas bebem, jogam e assistem jogos da modalidade, são cada vez mais comuns. Você consegue imaginar um bar onde as pessoas frequentam para jogar xadrez?

O mais incrível é que as transmissões televisivas de partidas de xadrez atraem uma audiência cada vez maior.

Até mesmo um reality show sobre xadrez foi lançado na TV norueguesa, onde uma das edições atingiu a marca de 56% da audiência dos televisores ligados.

As partidas costumam se estender longas horas a fio, e os jogadores levam até meia hora para fazer uma única jogada. Meia hora do mais absoluto nada, em rede nacional. Pra quem mudou as regras do vôlei com o pressuposto de adequar o esporte à TV, o exemplo da Noruega é impressionante.

“Antecipação também pode ser ação”, afirma Reidar Dtjernem, produtor do programa, sugerindo que a verdadeira ação ocorre na mente do telespectador, que absorve a atmosfera da competição e fica tentando imaginar, no conforto do seu sofá, quais seriam as possíveis jogadas do enxadrista, e vibram quando percebem que tomaram uma decisão tão sábia quanto um profissional da categoria.

Depois do slow travel e do slow food, parece que chegou a hora da Slow TV, ou seja, uma programação em que (basicamente) nada acontece durante agonizantes horas a fio.

Acredito que a moda tenha pouca chance de prosperar aqui. Quase não jogamos xadrez e ainda que tivéssemos jogadores em número suficiente, é pouco provável que fôssemos utilizar mesas de bares para essa finalidade.

De mais a mais, na Noruega faz um frio desgraçado e eles passam vários meses do ano debaixo de neve e com pouquíssima luz solar. Duvido que eles escolhessem ficar trancafiados em casa se tivessem o ano todo de sol, praias e um gramado verde pra jogar futebol.

Mas pelo menos essa notícia serviu para que eu entrasse em acordo com a minha infância: comparado com as transmissões de xadrez da Noruega, talvez o Sítio do Picapau Amarelo dos anos setenta não fosse tão devagar assim.