Eu realmente não queria comprar aquela rifa. Primeiro porque não sou dado a loterias. Segundo, porque era cara, muito cara. Cento e cinquenta reais e no longínquo ano de 2001. Cinco parcelas de trinta reais, uma por mês. Quatro motos nos primeiros sorteios e um carro 0km no quinto e último.
Comprei meio que por livre e espontânea pressão da empresa que patrocinou o evento que eu fora convidado.
Paguei resignado as quatro primeiras parcelas, até que numa segunda feira chuvosa me ligou uma conhecida que trabalhava na empresa e soltou uma tijolada no meio da minha testa:
– E então Alexandre, qual a sensação de perder um carro 0km?
Não entendi nada mas ela explicou. Minha rifa tinha o mesmo número do primeiro prêmio da loteria federal, que era o critério para apurar o ganhador, mas eu não estava em dia com o pagamento da última parcela da rifa.
Ocorre que a funcionária da empresa que promoveu a rifa todo mês passava no meu escritório para recolher o valor, e naquela semana sua filha tinha ficado doente e ela não recebeu a última parcela do carnê. Eu já nem lembrava mais da famigerada rifa até ela me alertar que ganhei mas não levei.
O regulamento era claro (e bastante justo): quem não estivesse em dia com a rifa, não receberia o prêmio.
Demorei para digerir aquele episódio. O que foi aquilo? Uma tremenda sorte ou um horrendo azar? Desperdicei meu grande dia?
Nunca saberei.
Os dicionários definem sorte como uma força sem propósito, imprevisível e incontrolável, que modela eventos de forma favorável ou não para determinado indivíduo, grupo ou causa.
Seriam sorte e azar apenas face e contra face da mesma moeda? O meu azar na rifa foi a sorte da empresa promotora que não teve que desembolsar o prêmio?
E a sorte escolhe seus agraciados ou sorte é sempre obra do acaso?
Conversando dia desses com um motorista de ônibus, ele disse que há alguns anos levou uma excursão de médicos para o Mato Grosso, para pescarem. Numa das paradas, os 19 médicos resolveram fazer um bolão da mega sena. Um deles sugeriu que convidassem o motorista para participar do bolão. Mas a maioria do grupo achou melhor não, porque o valor de vinte reais possivelmente seria exagerado para ele, que ou não aceitaria, ou acabaria aceitando por constrangimento, assumindo um gasto desnecessário.
Sim, é claro que aconteceu exatamente o que você, leitor inteligente, está pensando: o grupo acertou o bolão e dividiu uma bolada de quase cinco milhões. Os 19 médicos ficaram um pouco melhor de finanças do que já eram, e o motorista tão no perrengue quanto sempre esteve. E então um pouco mais deprimido também.
Sorte, por definição, não se controla. E é também uma questão de perspectiva. Quem nasce na desenvolvida Estocolmo tem mais sorte do que quem nasce no sangrento Congo?
Em todo voo que cai tem algumas pessoas que perderam o voo (e ganharam outra vida), e gente que embarcou para uma viagem sem volta num voo que nem estavam programadas para ir.
A vida é cheia de caprichos e mistérios e sorte ou azar são apenas um desses capítulos.
Como não posso controlar os desígnios insondáveis do acaso e tudo indica que já queimei meu grande dia de sorte naquela famigerada parcela sem pagamento, tenho preferido acordar cedo todo dia e fazer o meu melhor. O clichê é velho, mas parece mais sensato acreditar que Deus ajuda quem cedo madruga.
Às vezes acho que a sorte é um bicho meio arteiro. Por isso, uma dúvida me persegue até hoje: será que seu estivesse em dia com a última parcela da rifa, eu realmente teria tido a sorte de tirar o primeiro número da Loteria Federal?
Aqui no blog compartilho textos de cunho profissional, mas eventualmente publico textos assim, como crônicas. Se você gostou, deixe seu comentário e responda à pergunta: Você acredita na sorte?