Você comeria em um restaurante infestado de ratos?
Certamente não, a menos que não soubesse disso. Higiene faz parte das regras mínimas de um estabelecimento do gênero. Não é diferencial, é pré-requisito.
Comparo a Operação Lava Jato a um saudável, necessário e até recentemente impensável processo de higienização das práticas políticas brasileiras.
É inadmissível que num país com tantas carências, tantas urgências e com tanto por fazer em tantas áreas, se deixe escoar recursos por essa vala, petrovala ou coisa que o valha. São como ratos que consomem e contaminam os alimentos do restaurante na calada da noite.

Se conseguirmos transformar de modo duradouro nossas práticas e nossa clássica permissividade, já terá sido um avanço sem precedentes. E esses desvios, bem sabemos, é um comportamento largamente disseminado na sociedade brasileira, que vai muito além dos espelhos d’água do Planalto ou dos gabinetes da Esplanada dos Ministérios. Vai do atestado para faltar ao trabalho, passa pela cervejinha ao guarda, do médico que bate ponto no postinho e foge pra atender na clínica particular ou pelo aluno que cria seu TCC colando trechos de internet que não são de sua autoria nem recebem o devido crédito. Alguém se lembra do teatro que o craque Rivaldo fez na Copa de 2002, fingindo ter levado uma bolada na cara (que nunca existiu, como as câmeras mostraram) só para forçar a expulsão de um jogador da Turquia? Garoto esperto… A lista é infindável e poucos escapariam imunes.

Combater os ratos é muito importante. Muito importante, mas ainda pouco.
Sim, porque um restaurante sem ratos é fundamental, mas não é garantia de comida saborosa nem de sucesso administrativo.
E com essa analogia eu gostaria de provocar uma reflexão sobre outra praga do Brasil, tão nefasta quanto a corrupção (ainda que moralmente menos condenável): a incompetência.
Já que estamos em tempos de exorcizar nossos fantasmas, toquemos logo na ferida. Salvo as exceções de praxe, a gestão pública no Brasil é não apenas torta, mas sobretudo incompetente. É quase certo que seria possível fazer muito mais e melhor do que é feito, talvez com menos recursos.

Não há projeto de país. Não sabemos o que queremos ser nas décadas vindouras. O horizonte mais longo que se divisa é o da próxima eleição, muitas vezes nem isso.
Os projetos são ruins, não saem do papel, quando saem não são concluídos no prazo, e quando são concluídos, custam mais caro do que deveriam. Pior, muitos nem deveriam ter sido executados. Os estádios da Copa, por exemplo. Pra quê investir 1 bilhão de reais em cidades que sequer conseguem manter times na série B, como Manaus e Natal? Ok, há um pouco de peste bubônica nesse fetiche por grandes obras. Não sabemos escolher prioridades nem executá-las a contento.

E os custos logísticos? Calcula-se que no Brasil sejam o dobro dos EUA. Com isso somos menos competitivos para disputar mercados. Ganhamos menos do que os americanos mas nossos produtos são mais caros porque há mais perdas (e impostos) no caminho. Ao invés de construir riqueza, implodimos pontes.
Muitos dos nossos gestores públicos talvez não fossem contratados num processo seletivo para gerente de restaurante.
Um relatório recente do Banco Mundial classificou a infraestrutura brasileira como deplorável, e a qualidade dos nossos projetos abaixo do básico, pra usar uma semântica elegante.
Já começamos a dedetizar o restaurante dos ratos, mas ainda é pouco. Falta melhorar o atendimento dos garçons, baixar o preço dos pratos, melhorar o sabor das refeições, colocar gerentes mais competentes e cobrar um preço mais justo dos clientes que pagam o prato, ou o pato.
Enquanto isso não acontece, o Restaurante Brasil continuará servindo um prato insosso, caro e indigesto para seus 200 milhões de clientes.